Leia tudo e tire suas próprias conclusões
Por Claudio Dirani
A responsabilidade de escrever e dirigir o prequel para um filme que talvez seja o mais icônico entre os icônicos do gênero não é tarefa para muitos. Mais do que isso: raros cineastas entregam roteiros convincentes e capazes de fazer jus ao original. No caso, você já sabe. Estamos falando do clássico de 1968, O Bebê de Rosemary, do controverso Roman Polanski.
Dito isso, imediatamente após descobrir que Apartamento 7A estava disponível no Paramount +, fiquei bastante intrigado – e curioso para ver se a novata diretora e roteirista Natalie Erika James daria conta do recado.
Afinal, a missão de explicar o que aconteceu meses antes – e logo após a chegada do casal Guy e Rosemary Woodhouse (John Cassavetes e Mia Farrow) ao sinistro edifício Bramford – teria de atender às expectativas de uma exigente fanbase de O Bebê de Rosemary.
Sem direito a revelar muitos spoilers (afinal, parte da trama já é bem conhecida há mais de 55 anos), o meu primeiro desconforto se deu em relação à protagonista de Apartamento 7A. Não que Julia Garner (famosa pela série Ozark) não tivesse gabarito para encarar uma personagem que pouco apareceu no original, a dançarina Terry Gionoffrio.
O problema crucial aqui é que seu porte físico não chega perto de Victoria Vetri (também conhecida como Angela Dorian), atriz que chegou a ser capa da Playboy em 1967, e ainda atuou em séries cultuadas da TV americana, como Batman e Bonanza.
Outra complexidade que afeta drasticamente na construção da personagem é uma ligeira fuga de suas características – isso, conforme já foi mostrado no roteiro de Polanski. Eu explico melhor a seguir…
Não pintou o clima no Apartamento
No diálogo entre Terry e Rosemary, observado no primeiro ato de O Bebê de Rosemary – e que se passa na sombria área de serviço do Bramford – a dançarina dá as boas-vindas à moradora, explicando um pouco de sua história.
Terry Gionoffrio: Os Castevets são pessoas maravilhosas, as melhores do mundo. Eles me tiraram literalmente da rua.
Rosemary Woodhouse: Você estava doente?
Terry Gionoffrio: Estava faminta, nas drogas e fazendo muitas outras coisas. Sou hoje a filha que eles nunca tiveram. Achei no início que eles estivessem envolvidos em alguma prática de orgias. Mas eles viraram algo como meus avós, sabe?
Além de não conseguir relacionar Julia Garner como Terry em Apartamento 7A, parte da descrição da personagem não se encaixa com perfeição com a descrição feita pela versão original.
Em O Bebê de Rosemary, Terry Gionoffrio é aparentemente uma garota dos anos 60, distante de sua família, e adotada pelos sinistros Roman e Minnie (Sydney Blackmer e Ruth Gordon, respectivamente).
Já no prequel de 2024, Terry parece uma pessoa obstinada a vencer, e as “drogas” citadas no filme de 1968 são analgésicos fortíssimos, usados para que ela consiga realizar de ser uma dançarina profissional.
Esses deslizes (incluindo o do porte físico de Garner) poderiam não significar muito, se a diretora Natalie Erika James tivesse construído um clima que se aproximasse do criado por Polanski.
Nesse caso, tudo fica bastante distante. O clima de bruxaria, que pontua minuto por minuto em O Bebê de Rosemary, é resumido pela fraca cerimônia de concepção, pela qual Terry é submetida pela seita que habita o edifício Bramford.
Outra oportunidade claramente desperdiçada é a que conta a história da antiga moradora do apartamento do casal Woodhouse. Em O Bebê de Rosemary, ficamos sabendo que a sra. Gardênia viria a falecer, após sucumbir a uma doença misteriosa.
Em Apartamento 7A temos a chance de conhecê-la e de testemunhar seu destino – em uma cena frustrante e explícita, sem qualquer mistério.
No balanço dos meros 104 minutos do filme que seguiu diretamente para o streaming, podemos concluir que os fãs de O Bebê de Rosemary não darão aval para que Apartamento 7A se transforme em um dos símbolos da cultura pop e da história das produções de terror psicológico. Valeu a tentativa, mas esperamos por um filme que mantenha o legado iniciado por Polanksi e cia.