Eu assisti a essa nova adaptação de Branca de Neve com a sensação de estar cumprindo uma missão perigosa: ver o filme para que você não precise.
Sinceramente, parece que o longa escapou de algum cofre trancado da Disney, daqueles em que as fitas ficam guardadas por um bom motivo.
Deixando de lado as intenções do estúdio, fica claro que o “espelho mágico” dessa produção está trincado além de qualquer reparo.
Contexto e Produção
Para situar você: a animação original de Branca de Neve e os Sete Anões foi lançada em 1937, dirigida por David Hand e se tornou um marco na história do cinema por ser o primeiro longa-metragem de animação dos estúdios Disney.
A voz icônica da princesa na época foi de Adriana Caselotti, cuja delicadeza e suavidade marcaram gerações.
Já esta nova versão lve-action é dirigida por Marc Webb (500 Dias com Ela, O Espetacular Homem-Aranha) e traz Rachel Zegler no papel principal, além de Gal Gadot como a Rainha Má.
Rachel Zegler como Branca de Neve
Rachel Zegler ganhou projeção após protagonizar Amor, Sublime Amor (West Side Story) em 2021, e, de fato, ela tem talento vocal no estilo Broadway.
Entretanto, carisma e canto não são as únicas habilidades necessárias para dar vida a uma princesa tão clássica.
Na animação original, Branca de Neve tem uma voz de soprano doce e quase inocente.
Algo que conquistou o público e combinava perfeitamente com a personalidade gentil da personagem.
A performance de Zegler, por outro lado, soa exagerada — a cada canção, ela eleva o volume e atinge notas tão fortes que lembram um musical contemporâneo.
Se ela estivesse interpretando Elphaba em Wicked, talvez funcionasse melhor. Mas, aqui, o resultado é uma Branca de Neve que grita em vez de encantar.
Não ajuda o fato de que a construção da personagem seja praticamente inexistente: o roteiro insiste em dizer que ela é “corajosa, justa e verdadeira”, mas não vemos essa evolução em tela.
Ela começa perfeita e termina igual, sem nenhum arco de amadurecimento. A impressão é que se limitam a repetir “ela é incrível” em vez de mostrar por que deveríamos acreditar nisso.
As Músicas: Novas Canções Sem Alma
A Disney optou por excluir clássicos como “Someday My Prince Will Come” (conhecida em português como “Um Dia o Meu Príncipe Virá”) e “I’m Wishing” (“Estou Encantada”), trocando-as por músicas completamente novas.
Infelizmente, as composições parecem faixas B de karaokê genérico: são insossas, sem uma melodia marcante e com autotune perceptível.
A faixa “Trabalhe Enquanto Canta” (um paralelo moderno para “Whistle While You Work”) retrata Branca de Neve dançando e cantando sobre trabalho em equipe, mas quem limpa mesmo são os anões — isso quando eles aparecem em cena.
O resultado é algo forçado, como uma encenação de colégio em que alguém tenta ensinar moral, mas esquece de torná-la convincente.
O “Príncipe” Bandido e Outros Personagens
Para deixar tudo mais “moderno”, o filme transforma o famoso Príncipe em um bandido — o típico foragido sem charme ou história convincente.
Ele mal aparece, não tem carisma e só serve para entregar a cena do “beijo de amor verdadeiro”. É como receber um pacote da Amazon sem graça que, no fim, não acrescenta muito à trama.
Já sobre os anões eles ficam relegados a coadjuvantes praticamente descartáveis.
Gal Gadot como Rainha Má
A Rainha Má é uma das vilãs mais icônicas da Disney, com toda a dramaticidade que a versão de 1937 trouxe — destaque para a cena de transformação, considerada uma das sequências mais aterrorizantes para uma animação da época.
Gal Gadot, que ganhou destaque mundial como a Mulher-Maravilha, tinha potencial para brilhar neste papel.
Mas, infelizmente, ela entrega uma performance tão caricata que ultrapassa o exagero cômico.
O roteiro ainda lhe dá uma música original, e o resultado é constrangedor: Gadot não é cantora, a letra é esquecível e a encenação parece tirada de um show de talentos de fim de ano.
A cena de transformação, que deveria ser sombria e intensa, se torna só uma reprise sem sal do que já vimos na mesma música.
Problemas de Roteiro: “Mostrar” virou “Contar”
É frustrante ver a Disney — que sempre se destacou pela narrativa visual e musical — cair na armadilha de “contar em vez de mostrar”. Tudo é explicado por diálogos expositivos ou narrações desnecessárias.
Querem que você acredite que a Rainha é cruel? Ela declara isso verbalmente. Querem que você saiba que Branca de Neve é bondosa?
Personagens secundários soltam comentários aleatórios. Há até um monólogo sobre a saudade da mãe de Branca de Neve, que surge do nada e não cria nenhuma conexão emocional real.
Esse problema de roteiro faz com que o filme se arraste e dependa de animais em CGI para manter a atenção das crianças.
O resultado é um longa que tenta colar pedaços de várias ideias — algumas mais clássicas, outras “modernizadas” — mas falha em criar um todo coerente.
Refilmagens, Rumores e Impressões Finais
De acordo com fofocas de bastidores, o filme passou por refilmagens significativas para tentar corrigir o rumo, o que explica a sensação de um produto remendado.
Seja como for, a edição final fica abaixo de duas horas, o que ao menos é um alívio para quem não gosta de filmes longos.
No saldo geral, é uma pena ver que uma história tão amada — tanto no conto dos Irmãos Grimm quanto na versão clássica de 1937 — tenha sido transformada em um musical pop apressado e cheio de escolhas questionáveis.
Rachel Zegler, apesar de ser uma talentosa cantora de teatro, não convence como a princesa que se tornou sinônimo de doçura.
E Gal Gadot, infelizmente, não traz a imponência ou o terror que a Rainha Má merece.
Se você é fã da Branca de Neve original, talvez seja melhor baixar as expectativas — ou simplesmente rever o clássico de 1937, que continua elegante e encantador mesmo depois de tantas décadas.
No final das contas, essa versão live-action parece confirmar o ditado: nem tudo o que a Disney guarda em seus cofres deveria ver a luz do dia.
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