RESPOSTA: GODZILLA E A POLÍTICA – O que esperar do novo filme?

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Por Ale Nagado

 

Godzilla é um dos mais icônicos personagens japoneses, irá celebrar seus 70 anos em 2024 e as produções com ele seguem de vento em popa. Além dos filmes do MonstroVerso, produzidos em Hollywood, a Toho Company continua produzindo filmes e curta-metragens no Japão.

No último dia 3 de novembro, aconteceu no Japão o Fest Godzilla 4, onde foram lançados dois curta-metragens: Godzilla vs Megalon e Operation Jet Jaguar. Além desses curtas, foi divulgado um novo trailer do longa Godzilla Minus One, que estreou nos cinemas japoneses no mesmo dia.

O trailer, repleto de imagens grandiosas e tensas, dá uma ideia do que esperar do próximo filme. Mas, antes, vamos recordar rapidamente o contexto em que Godzilla foi criado, para termos em mente seu significado.

O primeiro filme do super dinossauro atômico veio em 1954, com direção de Ishiro Honda. Naquela época, o Japão já estava se tornando um país próspero após ter sido derrotado na Segunda Guerra Mundial. Menos de 10 anos antes do lançamento do filme, as cidades de Hiroshima e Nagasaki foram devastadas por bombas nucleares, uma ação debatida até hoje por ter sido uma demonstração de supremacia americana, um sinal ao resto do mundo sobre o poder dos EUA. Isso ao custo de milhares de vidas de civis japoneses, basicamente mulheres, crianças e idosos.

Como Godzilla é apresentado em sua estreia como sendo um monstro ancestral despertado por testes nucleares, a mensagem pacifista e anti-nuclear é bem evidente. Cidades em chamas, famílias perecendo, muitas crianças entre as vítimas, tudo isso foi bem conhecido pelo povo japonês, que viu o pesadelo nuclear sendo evocado no cinema.

No entanto, a mensagem maior do filme é sobre o mau uso da ciência. No clássico de 1954, um cientista desenvolve uma arma para destruir Godzilla, mas ele decide morrer junto com a criatura e levar sua fórmula consigo, para que sua descoberta jamais caia nas mãos de políticos ou do governo. O filme mostra como políticos se preocupam mais em controlar a população do que em protegê-la.

Ao longo dos anos, versões posteriores de Godzilla trouxeram as mais diversas abordagens. Uma força da natureza incontrolável, um protetor da humanidade contra ameaças maiores ou um ser quase divino e acima do bem e do mal. Seja como for, as melhores versões de Godzilla não amenizam na violência e não hesitam em mostrar casualidades civis nas batalhas.

Em Shin Godzilla (2016), criação do diretor e escritor Hideaki Anno (de Evangelion), o terror do Godzilla original é revivido, com um nível de produção compatível com os filmes americanos. De modo ainda mais intenso, a política é mostrada, mas em um nível internacional. A subserviência do Japão aos EUA é apresentada como algo incômodo, e os políticos japoneses são mostrados de maneira burocrática e mesquinha. No entanto, há uma grande diferença no discurso. Segundo Hideaki Anno, a verdadeira vontade de proteger sua terra natal pode fazer com que até políticos façam a coisa certa a atuem como parte de um grande esforço coletivo para salvar seu país.

Voltemos agora a comentar sobre o aguardado Godzilla Minus One. O novo filme, escrito e dirigido por Takashi Yamazaki, não tem relação alguma com qualquer outra versão prévia de Godzilla. É mais um reboot do Rei dos Monstros, e feito com a intenção de ampliar o senso de terror do filme original.

Desta vez, a história não se passará anos depois dos bombardeios nucleares que o Japão sofreu, e sim imediatamente após a rendição do país.

Quando o então Imperador Hirohito assinou a rendição japonesa, em 1945, o país estava em ruínas. As cidades aniquiladas por bombas nucleares eram apenas parte de um cenário ainda mais devastador. Tóquio estava em ruínas após bombardeios incendiários, Okinawa sofreu um banho de sangue inimaginável e havia caos por todos os lados.

E é nesse cenário desolador, quando o Japão estava reduzido a zero, que Godzilla surge como uma fera incontrolável e destruidora. O título “Minus One” vem dessa situação do país, que vai “do zero ao menos um”. O drama humano mostrado é que as pessoas ainda estavam traumatizadas, com as cicatrizes abertas por uma guerra que mal havia terminado, somente para enfrentar algo sobrenatural. Ver crianças no meio de tanta desgraça causa um incômodo enorme, mas isso é só um lembrete sobre quem são as maiores vítimas de uma guerra ou desastre natural. Godzilla é um misto das duas coisas.

A cultura pop japonesa, com seus filmes, mangás, animês e afins, sempre foi carregada de mensagens políticas. A grande diferença está na intensidade do discurso. A maioria dos autores não perde de vista o fato de que estão fazendo entretenimento, e que as mensagens fortes devem sem demonstradas, e não ditas como discurso raso e doutrinador, como em um panfleto político. Mesmo que se defenda um lado, pode haver gente de valor do outro lado. Essa visão é extremamente importante para entender muitas obras japonesas, que geralmente evitam aquela coisa maniqueísta que se convencionou chamar de “lacração”.

O diretor e roteirista Takashi Yamazaki já mostrou sua capacidade no live-action de Yamato – Patrulha Estelar, bem como em um longa-metragem em CGI do gatinho robô Doraemon. É um diretor experiente e que consegue mostrar dramas humanos com sensibilidade em obras de aventura e fantasia.

Assim, podemos aguardar o próximo filme de Godzilla, que irá estrear em cinemas brasileiros em dezembro, com certa expectativa positiva. Além de um bom filme de suspense e terror, podemos esperar uma visão equilibrada e sem as afetações que tanto têm incomodado grande parte do público em relação às obras cinematográficas recentes. Não que o filme não possa ter lá suas concessões ao politicamente correto ocidental, mas dá para ter esperanças de que, seguindo a tradição dos bons contadores de histórias japoneses, Godzilla Minus One seja, acima de tudo, um entretenimento de qualidade e carregado de emoção.

– Alexandre Nagado é escritor e autor do Blog Sushi POP.

 

LEIA MAIS:

GOJIRA – O Godzilla original de 1954

Shin Godzilla, de Hideaki Anno

Para ver um exemplo de obra japonesa com lacração, confira:

Kamen Rider BLACK SUN

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