Logo de saída, Ironheart desperdiça o potencial de Mefisto – um dos melhores vilões dos quadrinhos – apresentando-o num canto, sem peso dramático, apenas para justificar um vilão de segunda que assina contratos para ficar rico. Entre o piloto e o desfecho, o que se viu nos bastidores da internet não foi teoria criativa nem ensaios profundos, mas acusações de “review bombing” e manchetes que culpam “racistas” por mais um flop do estúdio, como se as falhas gritantes de roteiro e direção fossem irrelevantes.
A narrativa, vendida como jornada de transformação, não entrega evolução alguma. Riri começa soltando um “não, não estou bem” após causar mortes e termina fazendo pacto com Mefisto em troca da amiga Natalie de volta em carne e osso, fechando seu arco como vilã – embora a série pareça não se dar conta disso. A cada episódio somos arrastados por diálogos irremediavelmente vazios: Riri discute com a mãe, com a IA Natalie, com o namorado figurante Xavier, numa sucessão de pausas dramáticas que só serve para inflar a duração. Quando algo finalmente acontece, a lógica afunda: a loja de cristais que revela duas feiticeiras capazes de viajar entre dimensões; o relógio com campo de força que poderia valer bilhões mas é usado como armadilha de fast-food; o clássico Plymouth Hemi ’71 do pai, desmontado para virar armadura “melhor que a de Tony Stark”, completada às pressas com magia porque roteirista preguiçoso não sabe escrever gênio.
Para entender a falta de evolução da protagonista
Nem mesmo a suposta representatividade se sustenta: a cena em que duas mulheres trans espancam Riri num White Castle – enquanto a protagonista lamenta que sua morte renderia manchete e a delas não – soa mais como exploração barata do que retrato de “vivência marginalizada”. E a piada recorrente do chute nos testículos masculinos confirma que, quando falta imaginação, resta o humor físico de quinta categoria.
Quando finalmente confronta o antagonista Parker Robbins, o Hood, Riri o derrota em menos de cinco minutos – “praticamente sem inconveniente”, diria um roteirista honesto. A vitória é tão oca que a própria provocação do vilão ecoa verdadeira: ela não pretende salvar trem algum ou impedir asteroide nenhum, quer poder para si. Não há resposta: logo surge Mefisto, o melhor (e único interessante) em cena, mascarado numa barba falsa, citando “ajudar os não vistos” enquanto propõe um acordo tentador. Riri aceita, sacrifica a alma e termina pendurada em um gancho de roteiro que ousa sugerir segunda temporada – como se alguém acreditasse nisso depois de um festival de incoerências e desperdício artístico.
Restam questões que soam insulto à inteligência: contratos assinados sob coação teriam valor? Por que Zelma, a maga capaz de se teletransportar, não mandou o Hood direto para a dimensão sombria? Quem aprovou US$ 150 milhões para um roteiro que parece fanfic preguiçosa? E, sobretudo, quanto dano cognitivo ainda causam essas produções da Marvel que, a cada lançamento, batem novo recorde de previsibilidade?
No fim, Ironheart repete a sina dos gibis que a inspiraram: cancelada – se não formalmente, ao menos na relevância cultural. É poético que a série que começou como símbolo de “representatividade” termine como coda de uma fase que trocou substância por panfleto. Se o vindouro Quarteto Fantástico tropeçar, 2025 consolidará o pior ano da história do estúdio; até lá, Ironheart permanece como epitáfio perfeito do MCU: uma faísca cara, barulhenta e, sobretudo, vazia.
Ironheart – Em aparente ato de desespero, Marvel usa Robert Downey Jr. para promover série