O uso do termo ganhou força nos últimos anos devido o interesse em entender o enredo subjetivo de certos jogos como o recente Elden Ring, cuja narrativa é por muitas vezes enigmática, onde muitas explicações só podem ser encontradas explorando o cenário, prestando atenção nos diálogos de NPCs, lendo a descrição de itens e compartilhando ideias e conversas em fóruns dedicados.
Elden Ring faz parte do catálogo de games da desenvolvedora japonesa From Software que produziu títulos como a Trilogia Dark Souls e Bloodbourne que se tornaram clássicos contemporâneos justamente por conta dos ricos worldbuildings que engajaram a fanbase a discutir o enredo e criar teorias para explicar certos eventos. Quanto mais rico, complexo e simbólico for a Lore de uma estória, mais incrível esta será aos olhos de seus apreciadores.
USO DO TERMO
Utilizando a ferramenta Google Trends, é possível ver uma crescente no gráfico que mostra o interesse sobre o termo desde 2004 com uma elevação significativa ocorrendo em meados de 2011, justamente a época quando o primeiro Dark Souls foi lançado.
OBS: Outro pico de interesse no termo aconteceu por volta de abril 2022, justamente quando as primeiras informações do desastre “Os Anéis do Poder” começaram a sair, assim como o lançamento do jogo Elden Ring.
De certo modo, o gênero de ficção científica assim como o de alta fantasia mostraram o quanto a Lore é um aspecto importante, e obviamente que o primeiro a alcançar excelência neste ramo foi o grande escritor e filólogo J.R.R. Tolkien em sua Terra-Média. O legado de Tolkien tem uma importância enorme não somente para a literatura, mas também para toda a cultura ocidental e mundial. De coração, sugiro que assista à trilogia A Guerra do Imaginário produzido pela Brasil Paralelo para entender a importância que Tolkien tem.
LORE NO IDIOMA PORTUGUÊS
Os idiomas ao redor do mundo sempre tendem a adequar termos estrangeiros em seu cerne e o uso da palavra lore no português não é uma exceção. Não existe uma tradução direta de lore para o português! No entanto, o termo folclore seria um equivalente muito próximo por sua etimologia ser justamente a união das palavras inglesas “Folk” e claro, “Lore”.
A palavra Folklore fora cunhada por volta do século XIX na revista The Athenaeum pelo arqueólogo William John Thoms, visando se referir ao estudo de culturas diversas. A palavra surge da união de “folk” e “lore” equivalentes à “povo” e “conhecimento”, respectivamente. No Brasil, palavra foi utilizada com “K” (folk-lore) até a reforma ortográfica de 1930 onde fora substituída por “C”, e assim “folclore” passou a ser utilizada até hoje. No dicionário Aurélio temos três definições para folclore:
- Conjunto das tradições, conhecimentos ou crenças populares expressas em provérbios, contos ou canções;
- Conjunto das canções populares de uma época ou região;
- Estudo e conhecimento das tradições de um povo, expressas nas suas lendas, crenças, canções e costumes, demologia, demopsicologia.
(AURÉLIO, 2005)
Podemos ver e validar que “folclore” é muito mais uma vertente da palavra Lore do que um termo equivalente, sendo este até mesmo aplicável no estudo de culturas reais. E como será visto mais para frente, lore pode representar muitos outros aspectos como conhecimentos técnicos e até mesmo científicos em um universo ficcional. Sendo assim, o uso da palavra lore se faz necessário por justamente abraçar muitos mais aspectos e pilares numa obra fictícia.
Outro termo que pode ser usada para representar a ideia de Lore é o famigerado Legendário (no inglês “Legendarium”), o qual denota a coletânea de escritos como os da alta fantasia tolkeniana. Logo, ambas os termos são sinônimos, porém possuem certas particularidades, pois legendário é mais ligado ao enredo em si, enquanto lore é o background que sustenta a narrativa como os apêndices que complementam o entendimento do todo.
Desta forma, lore é o background de uma obra ficcional que une: informações, tradições, ensinamentos, culturas, lendas, crenças, religiões, idiomas, povos, geografia, etc.
O USO DA PALAVRA LORE POR TOLKIEN
Em suas cartas (presentes no livro As Cartas de Tolkien), Tolkien irá se referir a palavra lore de diversas formas, evidenciando-a como tradição e conhecimento. Vamos analisar os trechos de algumas das cartas do autor e como o termo lore é empregado:
Carta 25 :
“These dwarves are not quite the dwarfs of better known lore”.
(Esses anões não são exatamente os anões da tradição mais conhecida).
Carta 131:
“With the aid of Sauron’s lore they made Rings of Power”.
(Com o auxílio do conhecimento de Sauron, criaram Anéis de Poder).
Carta 144:
“The archaic language of lore is meant to be a kind of ‘Elven-latin”.
(O idioma arcaico de tradição destinasse a ser uma espécie de “latim Élfico”)
“Thus, as you will see, when the One goes, the last defenders of High-elven lore and beauty are shorn of power to hold back time, and depart”.
(Assim, como verá, quando o Um se vai, os últimos defensores do saber e da beleza Alto-Élficos são privados do poder de deter o tempo, e partem).
“These have been drawn from my less elegant maps by my son Christopher, who is learned in this lore”.
(Foram desenhados a partir de meus mapas menos elegantes pelo meu filho Christopher, que é versado nessa tradição).
Carta 153:
“The particular branch of the High-Elves concerned, the Noldor or Loremasters, were always on the side of ‘science and technology’.
( O ramo particular dos Altos-Elfos interessados, os Noldor ou Mestres do Saber, estava sempre do lado da “ciência e tecnologia”).
Carta 155:
“Anyway, a difference in the use of ‘magic’ in this story is that it is not to be come by ‘lore’ or spells; but is in an inherent power not possessed or attainable by Men as such”.
(De qualquer modo, uma diferença no uso da “magia” nesta história é que ela não é obtida pelo “saber” ou por feitiços, mas que é um poder inerente não-possuído ou alcançável pelos Homens como tais).
Carta 160:
“It is, I suppose, a tribute to the curious effect that story has, when based on very elaborate and detailed workings of geography, chronology, and language, that so many should clamour for sheer ‘information’, or ‘lore’”.
(Suponho que seja um tributo ao efeito curioso que a história possui, quando baseada em trabalhos muito elaborados e detalhados de geografia, cronologia e idioma, de que tantos clamem por puras “informações” ou “conhecimento”).
Carta 187: “ So it was with this book, and the maps. I had to call in the help of my son – the C.T. or C.J.R.T. of the modest initials on the maps – an accredited student of hobbit-lore ”.
(Assim o foi com este livro e com os mapas. Tive de pedir a ajuda de meu filho — o C.T. ou C.J.R.T. das modestas iniciais nos mapas — um credenciado estudante da tradição hobbit).
Carta 276:
“This is supposed to have been preserved in the Downfall, when most of Númenórean lore was lost except that that dealt with the First Age, because it tells how Númenor became involved in the politics of Middle-earth”.
( Esse conto teria sido preservado na Queda, quando a maioria do saber Númenóreano foi perdida, com exceção daquele que tratava da Primeira Era, porque conta como Númenor envolveu-se na política da Terra-média ).
CONCLUSÃO
Através destes trechos podemos ver que Tolkien irá se referir a lore como os princípios e característica que sustentam a narrativa principal de sua obra, desta forma a cronologia, história, geografia e afins são aspectos da lore para com o legendário da Terra-média e do universo o qual este faz parte.
Concluímos que uma boa narrativa ficcional, principalmente no que diz respeito à alta fantasia, terá uma lore igualmente rica que irá a sustentar. No entanto, a lore não salva enredos mal escritos, o autor deve também saber conduzir uma narrativa e explorar o universo que ele está a propor.
Para você que quer ficar por dentro do universo concebido por Tolkien. Recomendamos o excelente trabalho da nossa amiga Liana do canal Cine Jam. Confira abaixo um de seus vídeos focados na tragetória de Béren e Lúthien:
Agora me diga! Você conhecia o termo lore, sabia o quão importante este é para a cultura mundial! Comente aí em baixo que eu quero saber sua opinião!