Shin Japan Heroes: A força dos heróis e monstros japoneses
Personagens icônicos ganham suas versões definitivas pelas mãos do cineasta Hideaki Anno, de Evangelion.
Recentemente, a Prime Video da Amazon disponibilizou para o Brasil o filme Shin Masked Rider, título internacional de Shin Kamen Rider, um recente sucesso do cinema japonês. Resgatando o icônico herói que deu início à franquia dos Kamen Riders, esse longa é uma homenagem do roteirista e diretor Hideaki Anno (de Evangelion) aos grandes clássicos do TOKUSATSU, que são os filmes e seriados japoneses com efeitos especiais. É o ápice de um ambicioso projeto que começou a ganhar forma há sete anos. Vamos conhecer e entender esse trabalho.
Em 2016, o público japonês – e depois internacional – conheceu o assustador Shin Godzilla, uma das mais impactantes reinterpretações do clássico monstro gigante, que surgiu em 1954 e se tornou uma franquia mundial. Em Shin Godzilla, o monstro mutante devasta parte do Japão em imagens de grande realismo visual em uma aventura dramática e com uma abordagem bastante madura.
A visão de Hideaki Anno também trouxe realismo no desenvolvimento da trama, mostrando os bastidores da ação das forças armadas, sempre sujeitas aos interesses dos políticos. A burocracia excessiva do Japão é escancarada, bem como o fato de que políticos sempre agem pensando em poder, influência e controle sobre a opinião pública. Essa mensagem contra os perigos da classe política já estava no filme original de 1954, e foi reforçada por Anno, que ainda acrescentou uma visão mais nacionalista, mostrando o Japão como um país subordinado aos EUA e que deveria poder se defender sozinho.
Depois de Shin Godzilla, Hideaki Anno se envolveu em dois projetos praticamente simultâneos. Além de sua versão autoral para o clássico Ultraman, ele trabalhou com roteiro, direção e produção de um novo filme para cinema de sua franquia Evangelion, com a qual ele projetou seu nome para o mundo.
Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time foi o nome da aventura lançada em 2021, que também ficou conhecida como Shin Evangelion. A saga dos jovens pilotos das gigantescas Unidades Eva é uma produção em animê, e não de tokusatsu como os outros, mas esse nome faria sentido depois, com o estabelecimento de um vínculo entre as produções para fins comerciais.
Em 2022, foi a vez de Shin Ultraman, a reinterpretação do famoso herói gigante que luta contra monstros, surgido em 1966. Fica entendido nas entrelinhas do roteiro que a história se passa no mesmo mundo que Shin Godzilla, com a divisão especial SSSP sendo criada para reunir uma força de inteligência que acompanhasse e elaborasse estratégias para combater os monstros gigantes, ou kaiju. Um grande plano espacial é revelado, e questões filosóficas afloram quando a humanidade pode enfrentar sua extinção. Em simbiose com um ser humano, Ultraman tenta entender as frágeis criaturas que sente que deve proteger.
Em Shin Ultraman, há um subtexto político ainda mais acentuado, com uma ironia acerca do intervencionismo norte-americano. O filme teve boa repercussão, e seu lançamento, que deveria ter ocorrido em 2021, ano em que o estúdio Tsuburaya Productions festejava 55 anos da série clássica e da franquia Ultraman, foi adiado pela pandemia e também para revisão e melhoria de cenas em CGI. O que é lamentável é que a Prime Video ignorou por completo Shin Ultraman, não disponibilizando o filme ao público brasileiro assim como fez com os reboots de Godzilla e Kamen Rider.
Finalmente, veio o Shin Masked (Kamen) Rider em 2023, dois anos depois que a franquia dos motoqueiros mascarados completou 50 anos. Mais até do que nos filmes anteriores, houve reverência ao seriado e ao mangá original, ambos de 1971. Como no original, o jovem motoqueiro Takeshi Hongo é transformado contra sua vontade em um poderoso ser que seria usado como arma pela organização SHOCKER, mas consegue escapar e passa a lutar contra a maligna entidade.
Usando de tecnologia para modificar pessoas, a SHOCKER do filme é uma sigla para Sustainable Happiness Organization with Computational Knowledge Embedded Remodeling. Seu líder é uma Inteligência Artificial que almeja controlar o mundo para organizar uma sociedade feliz e unificada, eliminando qualquer um que anseie por liberdade.
Em termos políticos, isso encontra eco em questões do mundo real, cada vez mais mergulhado numa ideia de cientificismo, governança global e controle de liberdades como resposta para tudo. No entanto, Shin Masked Rider é o menos politizado dos filmes, jogando questões mais psicológicas e filosóficas em sua trama. Dos filmes, é o único realmente dirigido por Hideaki Anno, sendo que em Shin Godzilla e Shin Ultraman, o diretor principal foi Shinji Higuchi.
Durante o andamento do projeto, em fevereiro de 2022, foi anunciado o Shin Japan Heroes Universe, um projeto de merchandising que reuniu todas as empresas detentoras dos personagens. Toho Company (de Godzilla), Tsuburaya Productions (de Ultraman), Toei Company (de Kamen Rider) e Studio Khara (de Evangelion) se uniram para esse ambicioso projeto, coordenado por Hideaki Anno.
Foram feitos eventos temáticos, um deles com simuladores para que os jogadores se sentissem no meio de uma ação contra Godzilla. O projeto de licenciamento inclui um bar temático em Tokyo, games e produtos variados, de camisetas a miniaturas.
Em maio deste ano, foi anunciado um inusitado brinquedo chamado Shin Universe Robo. Foi lançado então um vídeo promocional no qual Godzilla, Ultraman, Eva Unit-01 e Kamen Rider se unem para formar um robô gigante no melhor estilo Megazord. Ou, sendo mais preciso, no melhor estilo dos robôs da franquia Super Sentai. Custando cerca de 170 dólares, o bizarro brinquedo será lançado em janeiro de 2024. Fora isso, não se sabe o que mais pode surgir das mentes de Hideaki Anno e sua equipe.
Independente dos desdobramentos do projeto, o mais interessante a se destacar é que esses filmes prestaram dignas homenagens aos maiores ícones do tokusatsu, em histórias bem escritas e bem produzidas. Sem desconstruir, sem subverter os heróis e sem panfletagem política, pois as visões de Hideaki Anno oferecem um pano de fundo, ficando em segundo plano em relação ao desenrolar da ação e ao desenvolvimento dos personagens. Se esses filmes significaram uma retomada de valores ou apenas uma homenagem isolada, é cedo para saber.
Finalmente, vale explicar que o termo “Shin” utilizado nos títulos pode ter significados distintos. Em todos os filmes, “Shin” é escrito no alfabeto fonético japonês katakaná, e não em ideogramas ou kanji, o que faz muita diferença em seu significado. Dessa forma, destacando apenas a sonoridade, o termo pode significar tanto “novo”, quanto “verdadeiro” ou mesmo “divino”. Caso tivesse sido escrito em ideograma, cada um desses significados citados seria escrito de uma forma diferente. Hideaki Anno, afinal, gosta de deixar coisas para seu público interpretar.
Ainda que soe pretensiosa algumas vezes, essa incursão dele pelo tokusatsu foi marcada por respeito ao passado, mensagens políticas equilibradas, uma dose de nacionalismo e uma visão irrestrita acerca do valor da liberdade e do altruísmo que um verdadeiro herói deve ter. E em nenhum momento, perdeu de vista a ação e a diversão que as obras deveriam oferecer.
Apaixonado por tokusatsu e pelos personagens com os quais teve a chance de trabalhar, o autor colocou referências e easter eggs em profusão, mas nenhum dos filmes exige conhecimento prévio de coisa alguma. Já os fãs de longa data que estiverem atentos aos detalhes, terão muitos assuntos a conversar após ver cada filme. Em tempos de militância exagerada, Hideaki Anno deu uma lição de bom entretenimento, com respeito ao público e aos autores que o precederam.
Por Alexandre Nagado
– Escritor, autor de quadrinhos e autor do Blog Sushi POP www.blogsushipop.com
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– Shin Godzilla
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