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Review: Starfield – O Jogo dessa Geração? Sem Spoilers

Após 25 anos de espera, Todd Howard e sua equipe da Bethesda Game Studios finalmente conseguiram entregar o game de seus sonhos.

Um RPG imersivo que se passa entre os campos estelares e incorpora mecânicas que o estúdio passou décadas aperfeiçoando, além de acrescentar novas possibilidades que se aproveitam da ambientação sci-fi.

Starfield é o game que Todd sempre quis criar. Mas será que ele é o game que nós sempre quisemos jogar?

Após mais de 50 horas de jogo e de ter finalizado a história principal, eu tenho a resposta. Em partes. Porque nessas 50 horas eu sinto que apenas arranhei a superfície do que este gigante tem a oferecer, então por favor leia a análise levando isso em conta.

 

DNA Bethesdiano

Dias antes do lançamento antecipado de Starfield, o CEO do Xbox Phil Spencer disse que o game era muito mais próximo de Elder Scrolls 4: Oblivion do que de ES5: Skyrim. O que ele quis dizer com isso?

Starfield é gigantesco. Massivo de verdade. Mas assim como Oblivion, ele não se esforça em ensinar o jogador sobre o universo no qual ele está entrando. Tudo é um mistério – não só a história, mas também a jogabilidade. As possibilidades.

Oblivion tem um sistema de magias profundo, que permite ao jogador até criar seus próprios feitiços e utilizá-los dentro e fora de combate. Um jogador que opta pelo papel de um guerreiro espadachim pode passar centenas de horas naquele jogo sem nunca saber que isso existe.

Starfield faz o mesmo e de forma ainda mais ampla. Sistema de criação de itens, engenharia de espaçonaves, construção de entre-postos, serviços de contrabando, o game é repleto de possibilidades que jamais se fazem necessárias ou são jogadas em sua cara. São opcionais para aqueles que decidem se aprofundar nelas, a dedicação se pagando com recompensas únicas. O funcionamento delas em sua maior parte é um tanto simples, mas ausente de tutoriais detalhados. Qualquer um que passar dez minutos no modo de construção de naves vai entender como ele funciona. Os menus são bastante é intuitivo, dado o tanto de opções que o sistema permite. É um filtro de vontade. Caso não goste disso, é só ignorar. Muito provavelmente o jogo terá outos aspectos mais apropriados para seu gosto.

Essa avalanche de possibilidades também se reflete no combate. Devido ao riquíssimo sistema de habilidades e ao número pornográfico de armas e equipamentos, você pode customizar seu estilo de luta e fazer testes para se adaptar quando necessário.

Por exemplo, em certa exploração aleatória em um laboratório tomado por piratas eu consegui descolar uma katana lendária com atributos quebradíssimos. A partir de então comecei a focar em habilidades de combate físico. Infelizmente minha resistência não estava das melhores, o que me fez utilizar inúmeras drogas estimulantes para melhorar minhas defesas e possibilitar o combate corpo-a-corpo. O que resultou no meu personagem recebendo uma infeliz dependência química, que eu consegui curar em um hospital. Mas eu ainda precisava das drogas. Resolvi então como projeto futuro que vou criar uma fazenda agro-pecuária cheia de plantas e animais alienígenas com propriedades alucinógenas na qual poderei criar meus próprios entorpecentes, incluindo um remédio que inibe temporariamente os efeitos de abstinência.

Cada jogador vai ter uma abordagem diferente com esses inúmeros sistemas, ou apenas ignorá-los. Vendo conteúdo de outras pessoas pela internet, fica nítido como cada jogador de Starfield terá sua própria jornada e histórias para contar. Todd Howard prometeu que ele iria voltar para as raízes, já que Skyrim (apesar de seu sucesso estrondoso) deu para trás em muitas dessas possibilidades. A promessa vingou.

E ajuda muito que o combate seja tão prazeroso, de longe o melhor que a BGS já produziu.

A Fronteira Final

“Mais de mil planetas” foi a grande promessa. O ponto que a Bethesda escolheu enfatizar para o marketing de Starfield. Um erro, em minha opinião, mas há dois lados nessa moeda.

De fato existem mais de mil planetas, mas 99% deles não possuem características únicas. Quando você chega em um planeta, você é livre para escanear e catalogar sua fauna, flora e minérios, além de certos pontos de interesse como crateras ou bosques. E coletar o que precisar. Se você não está disposto a engajar com os sistemas de construção (seja de naves, equipamentos ou bases), não há motivos para você viajar até eles pois você não precisará desses recursos – a não ser que queira arranjar itens aleatórios para vendê-los depois ou tentar dar a sorte de encontrar algum equipamento raro em possíveis laborátorios ou postos comerciais que estejam por lá. Quem sabe até descobrir uma das inúmeras sidequests menores que podem pintar aleatoriamente durante sua jogatina, como colonos em perigo pedindo por ajuda. Ou seja, esses mil planetas só fazem diferença para certos jogadores, e não para todos, como é o caso de outros elementos mais comerciáveis do game.

Mas os planetas estão lá. E isso inevitavelmente traz consigo a sensação de imensidão que cai muito bem no jogo. Sem falar que por vezes aterrisei em certos planetas pois vi a posição deles no mapa estelar e achei que teriam uma paisagem legal. Não me arrependi. Por mais que o jogo tenha problemas de textura aqui e alí, os cenários são belíssimos de se contemplar. Sem falar no clima mutável ou sistema de dia-e-noite realistas de acordo com a posição do planeta e onde você pousou nele. Certa vez eu presenciei um amanhecer que foi aos poucos revelando os anéis azulados gigantescos de um planeta gasoso o qual a luazinha onde eu estava orbitava. Isso por si só já valeu a viagem. Infelizmente não tirei uma foto nesse momento pois esqueci, mas vale dizer que o sistema de fotografia desse game é excelente, e a maioria das imagens que você vê nesse artigo vieram diretamente do meu jogo. Você pode aplicar distorções, filtros, poses, marcações, dá para passar horas brincando.

Sim, Capitão!

Como de costume com mecânicas novas, eu demorei algumas horas para entender perfeitamente como sua nave e as viagens interplanetárias funcionam. A realidade é que, assim como várias outras, sua experiência dentro do cockpit é essencialmente opcional.

Você raramente precisará estar dentro de sua nave, já que Starfield é muito generoso com seus fast-travels. Você está na profundidade de um planetinha distante no sistema de Freya e acabou de pegar o item de quest que foi buscar? Com dois cliques você está de volta à cidade onde o objeto deve ser entregue. De início achei este método excessivamente útil e uma pedra no caminho da imersão, mas no final das contas ele se justifica dado o escopo do game. Subir em sua nave, sair da atmosfera, escolher o destino, pular até o outro sistema solar e então aterrisar… Não é difícil ver como fazer isso centenas de vezes seria monótono.

Dito isso, as naves em si me surpreenderam. Infelizmente não tive a oportunidade de me enfiar dentro de seus detalhes ainda, mas a construção de naves e a jogabilidade de combate espacial são muito mais ricos do que eu esperava. Apesar de bem similar a jogos como Star Wars Squadrons, é divertidíssimo gerenciar a energia de sua nave enquanto manobra para chegar na traseira de seu oponente. É uma mistura de habilidade, estratégia e tomada de decisões o tempo todo. E a escala das naves? Você pode fazer uma mini-navezinha veloz ou um verdadeiro cargueiro do tamanho de um prédio, sacrificando mobilidade por durabilidade e recursos. Assim como tudo nesse jogo, o combate espacial é modular a seu gosto. Um ponto positivo surpreendente, visto que é a primeira vez que a Bethesda inventa algo do tipo.

Quem Você Quer Ser?

Jogos da Bethesda, em especial The Elder Scrolls, possuem um pilar narrativo muito diferente de qualquer outro jogo.

Imagine que a história principal é uma torre. Você vai subindo a torre e a história vai progredindo. Na maioria dos jogos, existe apenas uma torre e algumas casinhas lá embaixo que são as sidequests.

Em Elder Scrolls, existem pelo menos cinco torres igualmente relevantes. A história principal sendo uma e as outras sendo facções diferentes das quais você pode fazer parte – muitas vezes trazendo tramas mais longas e legais do que as da própria história principal.

Apesar disso continuar sendo verdade em Starfield, a história principal é inacreditável. Ela tem um início vagaroso, servindo quase como um tour para aclimatizar o jogador nos diferentes cenários da galáxia e principais companheiros que podem te acompanhar em sua jornada. Mas quando ela engata, não só ela explora conceitos de ficção científica magistralmente como tem implicações diretas na jogabilidade que não ouso comentar aqui pois são spoilers gigantescos. Ela também é muito bem escrita, e me fez gostar de personagens que eu comecei odiando, como o cowboy Sam Coe. Sem falar nos plot-twists e decisões gigantescas que você deve tomar. Ao longo dessa jornada, por três momentos eu fiquei impressionado com o quão chocante ela é.

Como sinopse bem básica, a quest/facção principal é composta por aventureiros e cientistas que pretendem descobrir os mistérios da galáxia. A Constellation. Exploradores espaciais. E, de fato, eles descobrem coisas.

Recomendo a todos ficarem longe de conteúdos de Starfield na internet, pois tais spoilers já estão por todos os lados. Não vale a pena ter esta surpresa estragada.

Amigo Estou Aqui

Outra novidade em Starfield são seus companheiros. Bem, na realidade companheiros já existiam em jogos da Bethesda há tempos. Mas não deste jeito.

Pela primeira vez a Bethesda investiu para valer em interações entre personagens, e o que você diz a eles e quais decisões toma na história podem influenciar não só sua relação, mas o rumo da história. Você tem algumas opções de amigos NPC que pode escolher para levar em suas aventuras, cada um com personalidade diferente e que não só se lembram do que você diz e faz como tomam suas próprias decisões.

Sem spoilers.

Um exemplo leve. Em um dos vários diálogos casuais do jogo, eu dei um conselho a uma personagem. Na hora, ela ficou brava. Dezenas de horas depois, ela me parou para dizer que refletiu no que eu tinha dito e que eu estava certo.

Um exemplo pesado. Em certo momento do jogo eu resolvi me vingar de um personagem que tentou me passar a perna ao invés de perdoá-lo. Minha companheira ficou tão furiosa que ameaçou me abandonar e nunca mais me ver – algo que, pelo o que constatei, pode de fato acontecer.

Assim como ouvi exemplos de um jogador que resolveu levar em uma quest um dos companheiros. A quest era para negociar algo com alguém. Mas esse negociador da quest tinha uma relação passada com o companheiro – e até lá o jogador não sabia desse drama. Bem, ele descobriu quando o colega interrompeu a negociação para se vingar, metendo bala em geral. Caso ele tivesse escolhido outro companheiro (ou nenhum) para essa missão, o resultado seria totalmente diferente.

Como eu disse, cada jogador tem sua própria experiência e é divertidíssimo conversar sobre isso pela internet – uma vez que você já terminou e está relativamente seguro de spoilers, claro. E o fato de que a relação com os NPCs é mais um dos vários elementos personalisáveis nesse jogo é outra conquista imensa para Bethesda.

Ajuda também que seus amigos são tão carismáticos. Achei eles visualmente desinteressantes de início, mas a personalidade deles é bem interessante e foi me ganhando com o tempo. Poder levá-los pra lá e pra cá enriquece muito a experiência.

Uma comparação rápida. Cyberpunk 2077 tem vários personagens interessantes, sendo de longe a minha favorita a saudosa Panam (muito pela excelente dubladora brasileira). No entanto, uma vez que você já fez todas as quests relacionadas a ela, a personagem simplesmente desaparece do game.

Em Starfield você sempre pode estar acompanhado deles e eles sempre tem algo a dizer, seja sobre a cafeteria da cidade, seja do milagre espacial que vocês estão presenciando. Minha única crítica a eles é que essas interações são sempre automáticas. É bem estranho (e engraçado) quando no meio de uma descoberta que mudará o rumo da humanidade, você chama seu companheiro para bater papo e ele responde com “ei, cara, achei esse pedaço de chumbo no chão, fica para você como presente”.

Ficção Científica Espacial Primorosa

Quando pensamos em histórias espaciais, Star Wars e Star Trek são os dois titãs do entretenimento que surgem imediatamente em nossa mente. Claro que existem outras aventuras estelares marcantes.  Guardiões da Galáxia é muito divertido. Buck Rogers é um clássico. Nos jogos, os mundos de Starcraft e Halo são bastante instigantes. Sem falar do grandioso Mass Effect – apesar de eu estar longe de ser fã dessa franquia, eu entendo seu valor. Mas nenhum deles possui a profundidade e detalhes dos universos de Star Wars e Star Trek (por mais que nos últimos anos Hollywood esteja se esforçando para destruir esse legado).

Eis que surge um novo “Star”. O universo que a Bethesda construiu em Starfield tem a lore, a profundidade e a personalidade para subir no pódio. Eles se aproveitaram da abrangência que o espaço permite para abordar os mais diferentes tópicos. Você tem intrigas políticas e monstros de terror cósmico. Metrópoles cyberpunk corrompidas pelo crime e vilarejos pacíficos lutando contra o clima hostil. Mistérios do universo que, quando são revelados, trazem uma nova característica até mesmo para a identidade visual que é simplesmente, por falta de opções, “da hora pra caralho”. Infelizmente não posso elaborar mais por motivos de preservar sua experiência. Mas o que posso dizer é que os mais atentos perceberão um metacomentário tão interessante quanto Undertale ou Nier Automata. Para mim, ainda superior a eles.

Como de costume, não seria uma experiência extraordinária sem uma trilha sonora de qualidade. De temas épicos à atmosféricos, elas não só se encaixam perfeitamente na temática como rivalizam com às de Elder Scrolls. Existe uma em particular que me pegou de jeito. Uma variação ainda mais épica do tema principal que toca antes dos créditos subirem. Sublime.

Temas que trazem à mente o tema espacial. Assim como o resto da estética, boa parte com base em um mínimo de realismo científico (ou ao menos é o que a NASA e o Gordão Foguetes nos dizem). Os trajes, as cidades, o maquinário, tudo parece ser uma extrapolação condizente com a nossa tecnologia atual. Visualmente, um Interestelar exagerado.

E como é especialidade da Bethesda, essa lore é lotada de pequenos detalhes e mistérios que fazem os mais ligados em histórias ficarem loucos. A pequena disputa comercial entre Terrabrew (Starbucks) e Tranquilitea (Rei do Mate). O desaparecimento do fundador da Constellation – será que ele está por aí? Será que conseguimos encontrá-lo no jogo? Quem sabe apenas anotações de suas descobertas?

E o que diabos são os Terrormorfos!?

O tanto que este universo tem a oferecer é inacreditável, seja para um apreciador de um universo rico repleto de boas histórias, seja para quem curte uma boa jogabilidade. Felizmente, me enquadro nos dois.

O Jogo dessa Geração

Fãs da Bethesda criaram esse apelido antes do lançamento de Starfield. “O Jogo da Geração” – tal qual foi Skyrim, pode se discutir.

É este o caso? Para mim, talvez. Mas um título só faz sentido em concensos, e Starfield não conquistou isso.

Deliberadamente ignorei a recepção do jogo nesta análise, pois expresso aqui a minha opinião, livre de influência alheia. Mas estou a par do movimento anti-Starfield na internet – muito motivado por partidarismo, seja por views e má-fé, seja por sentimento de manada. Pretendo escrever um artigo sobre este fenômeno em breve.

Starfield não é perfeito e posso escrever vários parágrafos apontando seus defeitos. O rosto esquisito dos NPCs que passam pelas ruas. A física de água praticamente inexistente. Os aliados que por vezes entram no meio do meu laser quando estou minerando. A estranha decisão de centralizar a câmera diretamente nos personagens durante diálogos quebrando a sensação de você realmente ser seu personagem e estar naquele ambiente (algo que Cyberpunk faz de forma excepcional). E, claro, os 30FPS.

A realidade é que absolutamente nada disso me incomodou dado a qualidade e quantidade de tudo o que este jogo tem para oferecer, e isso vai de pessoa para pessoa. Eu acho Red Dead Redemption 2 um bom jogo. Com excelente história e gráficos maravilhosos. Mas a jogabilidade é truncada demais e a linearidade extrema das missões daquele jogo me fazem nunca mais querer encostar nele. Preferências. O indie Vampire Survivors é um dos maiores sucessos dos últimos anos e tem gráficos comparáveis a um Mega Drive – mas a jogabilidade dele é tão boa que ninguém se importa, e até há o que se apreciar naquela arte em pixels. Mas certamente existem muitas pessoas que jamais o jogariam, pois não faz seu estilo.

Starfield tem uma excelente história e uma excelente jogabilidade. Uma união difícil de se ver neste nível de polimento. Se os gráficos às vezes não são lá uma maravilha, bem, sinceramente foda-se. Até porque o estilo artístico dele é indiscultivelmente lindo, e arte sempre vence de fidelidade gráfica.

Starfield é algo especial. Como fã de Bethesda, mais de Oblivion do que de Skyrim, este jogo é a evolução de tudo o que mais eu amava nas obras dessa desenvolvedora. Mas por ser uma franquia nova, ela inseriu novidades inexperadas que a elevou ainda mais. Além das minhas expectativas que eu julgava como inalcansáveis.

Jornalistas não vão declará-lo como Game of the Year. Muito menos da geração. E se você conhece como funciona essa indústria, não deveria ligar para isso.

O que eu posso dizer sem medo é que Starfield é um dos melhores jogos que eu já joguei e eu não vejo a hora de experiênciar o que as outras quatro facções tem a oferecer. Será que eu me tornarei o rei dos piratas espaciais? Um soldado lutando pelo bem da galáxia? Ou quem sabe passar a perna em geral para tentar tomar o cargo de CEO da multicorporação Ryujin?

NOTA: 10/10

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