Em um mundo repleto de super-heróis coloridos e batalhas espetaculares, poucas cenas cinematográficas provocaram tantas discussões quanto a morte de Jonathan Kent em Man of Steel (2013). A imagem de Clark Kent, imóvel, assistindo seu pai ser engolido por um tornado quando poderia facilmente salvá-lo, desafiou as expectativas do público e dividiu opiniões. No entanto, essa escolha narrativa de Zack Snyder não apenas representa um dos momentos mais profundos do cinema de super-heróis, como também revela uma verdade fundamental sobre o Superman que muitos preferem ignorar: o que realmente contém um deus?
O paradoxo do poder absoluto
Superman, em sua essência, é um paradoxo ambulante. Um ser com poder praticamente ilimitado vivendo entre criaturas frágeis. Não existe prisão que possa contê-lo, exército que possa detê-lo ou arma convencional que possa feri-lo. Diante dessa realidade assustadora, a pergunta que paira no ar é: o que impediria tal ser de impor sua vontade sobre todos nós?
A resposta, brilhantemente construída na narrativa de Man of Steel, reside nos valores cultivados por Jonathan e Martha Kent. Não por acaso, Jonathan prefere morrer a permitir que seu filho se exponha prematuramente ao mundo. Seu sacrifício não é apenas um ato de proteção paterna – é a instalação do mais eficaz sistema de segurança que a humanidade poderia ter contra um ser de poder incomensurável.
O amor como contenção do poder absoluto
O que muitos críticos da cena do tornado não conseguem compreender é que Jonathan Kent estava, com seu sacrifício, forjando as únicas correntes capazes de conter o Superman: o amor, o respeito e a obediência filial. Em um mundo onde nenhuma substância física poderia parar o Homem de Aço, os laços emocionais e o código moral internalizados se tornam os verdadeiros freios para seu poder.
Quando Clark obedece ao gesto do pai e permanece imóvel, apesar de todo seu instinto gritar para salvá-lo, estabelece-se um precedente fundamental: mesmo tendo poder para desafiar furacões, Clark escolhe honrar a vontade de um simples fazendeiro do Kansas. Esse momento define o que o Superman será para sempre: um ser que, apesar de poder fazer quase tudo, escolhe limitar-se por respeito a valores humanos.
O legado invisível de Jonathan Kent
O verdadeiro legado de Jonathan Kent não são apenas as lições explícitas que deu ao filho, mas o exemplo de que o verdadeiro heroísmo às vezes significa contenção, não ação. Com seu sacrifício, ele implanta em Clark a noção de que o poder deve ser exercido com absoluta responsabilidade, mesmo quando isso significa abrir mão do que mais queremos.
Este ensinamento se torna o verdadeiro “botão de desligamento” do Superman. Em momentos de frustração, raiva ou desequilíbrio emocional – situações que tornariam um ser com seus poderes absolutamente catastrófico para a humanidade – é a memória de Jonathan Kent que serve como âncora moral. O Superman poderia, a qualquer momento, decidir governar o mundo ou impor sua vontade, mas a voz internalizada de Jonathan sempre o lembrará: “Nem tudo que podemos fazer, devemos fazer.”
A lição para além das capas
Há uma profunda ironia no fato de que a humanidade só está segura ao lado de Superman porque ele foi criado por humanos comuns e imperfeitos como nós. Se Clark Kent tivesse crescido em qualquer outro contexto – como exploramos em histórias alternativas como “Red Son” ou “Injustice” – ele poderia facilmente se tornar o maior tirano que a Terra já conheceu.
Jonathan Kent, ao criar esse “freio emocional” em seu filho alienígena, não estava apenas protegendo Clark do mundo, mas protegendo o mundo de Clark. Ele entendeu, talvez intuitivamente, que o único poder capaz de conter um deus é o amor que este deus sente pelos mortais.
A sabedoria de Snyder
A decisão de Zack Snyder de manter esta cena controversa demonstra uma compreensão profunda tanto da mitologia do Superman quanto da natureza humana. Ao invés de entregar mais uma sequência de ação onde Clark salvaria espetacularmente seu pai, o diretor optou por um momento de contenção que ecoa por todo o arco do personagem.
Esta escolha narrativa nos força a confrontar verdades desconfortáveis: às vezes, o verdadeiro heroísmo não está em usar poder, mas em contê-lo; às vezes, o amor significa permitir que tragédias aconteçam em nome de um bem maior; e, mais importante, os únicos seres realmente poderosos são aqueles que sabem quando não usar seu poder.
A âncora que prende um deus à Terra
Em última análise, a cena da morte de Jonathan Kent não é apenas um ponto de virada dramático ou um catalisador para a jornada de Clark – é a instalação do único sistema de segurança que poderia funcionar contra um ser com poderes divinos. Ao honrar a vontade de seu pai, mesmo quando isso significa perder a pessoa que mais ama, Superman demonstra que está ancorado à humanidade não por limitações físicas, mas por escolha moral.
O amor e o respeito por Jonathan Kent se tornam, assim, os verdadeiros freios de kryptonita que mantêm o Superman alinhado com os melhores interesses da humanidade. Um deus que escolhe obedecer a um fazendeiro do Kansas é um deus que nunca se voltará contra nós, não importa quão grande seja a provocação ou tentação.
Esta é a verdadeira genialidade da cena: ela nos mostra que, no final, o que realmente protege a humanidade de um Superman desequilibrado não são armas ou estratégias, mas as memórias de um pai que preferiu morrer a comprometer os valores que plantou em seu filho.
Zack Snyder Reafirma Sua Decisão Controversa em ‘Man of Steel’