Exoprimal: Lutando Para Ser Extinto

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Exoprimal é um jogo excelente. Um dos melhores do ano em minha opinião. Por que então ele está sendo recebido com tanto descaso, e até hate?

Jogos 100% multiplayer são arriscados. Se o seu jogo for de um gênero já estabelecido no mercado, você terá que derrotar um gigante para clamar seu espaço – FPS tem CS e Valorant, MOBA tem LoL e DotA, MMORPG tem WoW e FFXIV, Battle Royale tem Fortnite e CoD, e por aí vai.

Uma segunda opção é inovar, criar uma fórmula inédita para desbravar novas terras. Não só o game tem que ser bom como é necessário que ele cumpra critérios básicos de marketing e experiência do jogador para que atinja o sucesso – e apesar de Exoprimal ser um game fenomenal, em quase todo resto ele pecou de forma catastrófica, digna de iniciantes nesse mercado. Parece que estão lutando em prol da própria extinção.

 

Exterminador De Volta Para o Jurassic Park do Futuro

Exoprimal é excêntrico em sua história, apresentação, gameplay, tudo. Entender o que está acontecendo pode levar um tempinho, então deixe eu tentar ajudar.

Você joga com um piloto de robôs gigantes que está preso em uma ilha e é abduzido por uma inteligência artificial que o obriga a lutar constantemente contra hordas de dinossauros (que por vezes literalmente CHOVEM do céu) e outros pilotos, nos chamados “Jogos de Guerra”. É uma insanidade completa mas, surpreendentemente, a trama é até que bem trabalhada e os personagens são carismáticos. Dentre partidas você eventualmente assistirá cutscenes que evoluem o enredo, além de ganhar informações bonus que podem ser acessadas em um compendio no menu do jogo. É interessante, não se leva a sério e milagrosamente praticamente tem zero de lacração. Confesso que não consumi todo esse material, mas gostei do que vi. Se envolver na história é opcional, mas até que recomendado.

A Carnificina

Apesar de parecer complexo, o jeito que o jogo funciona é bem simples. Todas as partidas são competições entre times, e cada time é composto por cinco jogadores que podem escolher dentre uma seleção de 10 robozões para pilotar. Eles seguem a trindade dos jogos multiplayer com classes: os de dano, os tankers e os suportes. A variedade de armas e habilidades dentre eles é tão grande e bem aplicada quanto em Overwatch, o que é o primeiro sinal extremamente positivo para quem gosta do sub-gênero dos Hero Shooters. Visualmente eles são bastante estilosos também, o que é muito importante para jogos desse tipo.

Times prontos, a partida começa. Todas as partidas são divididas em duas partes. Na primeira, os dois times são colocados em realidades paralelas, nas quais deverão cumprir as mesmas missões e no mesmo mapa, apesar de não se encontrarem diretamente (afinal, estão em dimensões diferentes). Essas missões sempre envolvem hordas de dinos e podem variar entre proteger uma área, matar um certo número de um tipo de dinossauro específico, caçar um dinossauro gigante fujão e outras. Você ficará uns 10 minutos completando esses desafios – no que é praticamente uma corrida. O time que terminar primeiro é enviado para a segunta parte da partida – e a segunda parte, geralmente, é um confronto direto entre as equipes, desta vez na mesma dimensão e propensos à boa e velha troca de tiros. Você ainda terá que cumprir objetivos específicos, como escoltar uma carga ou capturar áreas pelo mapa. E aí está a importância da primeira parte: quem for mais rápido na corrida, chegará no confronto direto antes e terá uma inegável vantagem de pontos e posicionamento.

Para aumentar a competitividade, no confronto direto ambos os times são presenteados com um equipamento que permite que um dos jogadores controle um dos maiores dinossauros do jogo, que é teleportado para as costas do time oponente. Quanto maior for a surra que o time perdedor estiver levando, mais forte e mais cedo ele terá acesso a essa cartada final. Pense nisso como o casco azul do Mario Kart, mas um pouco menos injusto, pois um time coordenado consegue aniquilar um desses dinossauros rapidamente, caso saiba o que está fazendo.

Também existem partidas em que a segunda parte não apresenta confronto direto, sendo um repeteco da primeira parte, mais uma etapa da corrida. Quando buscar por uma partida, o jogador pode escolher entre garantir que a segunda será confronto direto (PvP), sem confronto direto (PvE) ou aleatório, sendo que o aleatório consede 20% de experiência a mais. Eu joguei praticamente só no modo aleatório, e notei que quanto mais jogava, mais raras se tornavam as partidas PvE.

Belas Surpresas

As missões descritas acima são o padrão, mas por vezes o jogo resolve pirar. Aleatoriamente e um tanto raramente, o jogo pode te colocar em cooperação com o time oponente, transformando a partida em um 10 versus Boss. Até o momento joguei contra três chefões diferentes, e todos rendem batalhas espetaculares, que me fizeram sentir como numa raid épica de um MMORPG. Uma dança na qual você tem que prever e desviar do próximo ataque devastador do monstrengo, enquanto se mantém atacando e ocasionalmente defendendo seus colegas. Acertaram, e acertaram em cheio. Se tem um conteúdo que eu espero que seja expandido nas próximas atualizações, é a quantidade desses chefes grandiosos.

Por vezes, ao invés de lutar contra um chefe, as duas equipes são únidas contra hordas de dinossauros geneticamente modificados – e por vezes em partidas com desafios extras. Uma vez eu joguei em uma dessas onde o respawn estava desabilitado. Tensão divertida demais.

ExoPrimal fez um trabalho incrível em praticamente tudo que se refere à jogabilidade, esta é a realidade. Evoluir a experiência de seu robô e desbloquear alterações em seus poderes para criar builds é muito simples e satisfatório. Descobrir dinossauros novos, mapas novos, missões novas – o jogo tem uma excelente variedade em seu início de vida. É um sentimento muito bom você encontrar uma espécie nova de dino, seja gigantesca ou uma mutante esquisita, e aprender a como lidar com aquela ameaça. Usar um escudo gigante com para proteger seu curandeiro da investida de um triceratops em chamas pela primeira vez. Ter seu kit de habilidades desativados pela interferência do grito paralisante de um estegossauro escondido em algum lugar do mapa. Ver o inimigo prestes a ganhar o jogo mas ter o seu objetivo de escolta destroçado por não prestar atenção naquele dino kamikaze explosivo safado sorrateiro que chegou pelas suas costas. Quase toda partida tem eventos inexperados divertidíssimos.

Como afirmei lá em cima, se tornou um meus jogos favoritos de 2023, e tem o potencial de viver por muito além deste ano.

Quer dizer, o potencial existe. Mas a Capcom parece ter se esforçado para garantir que isso não aconteça.

Burrice + Burrice + Burrice + Jornalistas

Se você leu toda a descrição do jogo e esta empolgado em experimentá-lo, vá com calma. Precisamos conversar sobre as cagadas da Capcom antes.

A primeira burrice da Capcom é que o jogo é pago. Sim, você precisa desembolçar lá seus R$250~300 para jogá-lo em seu PC via Steam ou no PlayStation 5 – a menos que você assine o serviço do Xbox, o Gamepass, que te permite jogá-lo tanto nos consoles Series S/X quanto no PC ou via Cloud, que é sem dúvidas o modo mais recomendado.

O jogo também possui micro-transações e já lançou com um BattlePass, mas todo o conteúdo encontrado nessas compras paralelas é opcional e apenas estético, de maneira nenhuma dando vantagens à quem comprar. Eu vi um youtuber grande aqui no BR revoltado que você precisa desbloquear três dos dez robôs e que isso é um absurdo, pois o jogo já é pago. Pura besteira. Esse bloqueio existe porque esses robôs tem habilidades um pouco mais complexas, e apenas isso. É um filtro. O custo de fichas que eles custam para serem desbloqueados é tão baixo perto do quanto você recebe no início do jogo que é praticamente um valor simbólico.

A segunda burrice da Capcom foi o jogo ser lançado sem um modo ranqueado. Se você pegar o histórico de jogos multiplayer que fracassaram na última década, você perceberá que falta de um modo ranqueado desde o início é um padrão. Battlerite, Battleborn, Bleeding Edge, dentre tantos outros, foram jogos acima ou muito acima da média, mas que tiveram uma morte rápida por não conseguir manter uma comunidade de jogares ativa. Eu mesmo estou sentindo isso agora. Em uma semana, eu desbloqueei tudo o que havia para ser desbloqueado e estou perto de completar todas as Conquistas no Xbox. Por qual motivo eu continuarei jogando se sequer eu estou progredindo minha conta? Sequer eu tenho registro de uma qualidade (ou falta dela) como jogador? Não existe progressão ou qualquer outro incentivo. É inacreditável que um jogo competitivo seja lançado sem um modo competitivo. Apesar de ser um game completamente diferente, olhe para Marvel Snap, jogo competitivo de cartas para mobile. Por mais de um ano ele SÓ TEVE MODO RANQUEADO. E o sucesso foi e ainda é enorme.

E enfim, a terceira e maior burrice: os tutoriais. ExoPrimal inicia com um tutorial óbvio, no qual ele te ensina a andar, atirar, usar habilidades, etc. Logo depois, há outro tutorial, no qual você joga uma partida de mentirinha para entender como elas funcionam. E daí pronto: você está livre para encarar toda a montanha de desafios diferentes do game, certo? Errado. Em uma ideia que consegue ser pior do que a falta do modo ranqueado, a Capcom resolveu colocar um tutorial oculto dentro do game que obriga todos os jogadores a ficarem restritos a apenas dois ou três modos de jogo e mapas, e ainda por cima com uma dificuldade muito mais suave. Você precisa jogar uma dezena de partidas para que, lentamente, comece a ver coisas novas. E lembre-se: é OCULTO, o jogo não avisa que está fazendo isso. É impossível você deduzir que existe mais conteúdo e desafios quando todas primeiras partidas são virtualmente identicas.

Para piorar, matchmaking é completamente desbalanceado. Neste fim de semana eu (nível 90 e tantos) fui pareado com jogadores de NÍVEL 5. Além do óbvio desbalanceamento de conhecimento do game, o pior de tudo é que o jogo me colocava apenas nesses mapas mais simples, fáceis e sem variedade – já que haviam iniciantes na partida. E por ser o segundo fim de semana com o jogo lançado e pela repercursão que ExoPrimal está causando, muitos novatos curiosos logaram pela primeira vez. O resultado foi que por cerca de dez partidas consecutivas eu fui obrigado a jogar em desafios para iniciantes, praticamente tutoriais. O jogo não deixou eu jogar o jogo. É impossível não ficar frustrado com um problema desses, especialmente levando em conta que ele foi projetado para ser assim. No que a Capcom estava pensando? Quem inventou isso? É simplesmente inacreditável.

O resultado era previsível. Jogadores estão gostando bastante da jogabilidade, mas reclamando que é fácil demais e há pouca variedade. Não há como culpá-los.

Pelo menos os jornas estão aí para explicar as coisas. Esclarecer os mal-entendidos. Guiar o público à verdade, criticando, mas mostrando como esse game é bom e tem potencial.

HAHAHA

A grande maioria dos jornalistas estão ecoando exatamente as mesmas reclamações de quem jogou pouco, piorando a situação por terem um megafone em mãos. Jornalistas de jogos que de fato se dedicam a jogar os jogos que estão avaliando são uma micro-minoria. É uma situação onde os veículos de mídia mainstream estão amplificando exponencialmente não só as críticas justas mas as injustas também, praticamente garantindo uma má fama que, para um jogo de serviço, é sinônimo de morte.

Para finalizar, uma reclamação de menor importância. Este não é o primeiro jogo da Capcom que tem um desempenho de qualidade gráfica bem ruim no Xbox Series S – Street Fighter VI sofreu do mesmo problema. Incompetência ou corpo mole, não importa, é ultrajante o jogo não carregar texturas com tanta frequência. Temos muitos Forzas e Plague Tales que provam que é possível sim entregar qualidade gráfica excelente no Series S. Bom, pelo menos o jogo nunca foi para baixo dos 60FPS, mesmo quando lutando contra centenas de raptors simultaneamente.

Jóia Bruta

Apesar de todos esses tropeços, é importante insistir que ExoPrimal é um jogão. A imagem já está danificada, mas com um trabalho decente por parte dos desenvolvedores, é possível reverter esse cenário. Atualizações bem legais já foram anunciadas, contando até com crossovers com Street Fighter e Monster Hunter. Conhecendo o histórico da Capcom, provavelmente veremos ainda mais colaborações deste tipo, com franquias como Resident Evil, Devil May Cry, Mega Man, e até com franquias de outras empresas como Final Fantasy e The Witcher.

Não vai ser fácil, mas já estão no caminho certo.

Se nos próximos meses eles pisarem no freio com esse tal tutorial oculto e implementarem um bendito modo ranqueado, é possível que até o final do ano ExoPrimal conquiste um número base de usuários fiéis bem saudável.

Caso contrário, a extinção é inevitável.

Dar uma nota é muito difícil em um caso específico como esse. Então vou apelar e dar duas. Como estrutura base de jogo como serviço e que pode ser expandido, é um 9/10. Como jogo atualmente, devido à todos os problemas que você tem que enfrentar para conseguir aproveitá-lo ao máximo, 6.5/10.

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